sexta-feira, 29 de julho de 2011

Thaide, o meu nome é Thaíde !

Entrevista tirada da revista Raça http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/156/artigo221165-2.asp


Perto de completar 44 anos, Altair Gonçalves, mais conhecido como Thaíde, continua sendo uma referência do hip hop brasileiro. Da infância difícil e muito pobre na zona sul de São Paulo, ele conquistou respeito e admiração por onde passou, ganhou espaço na televisão brasileira e hoje faz sucesso também como repórter do programa A Liga, exibido na Band, no qual o seu lado jornalista vira e mexe esbarra com a realidade vivida por ele no passado. Thaíde também já exercitou o seu lado ator em três filmes para o cinema, mas deixa claro que é no hip hop que se realiza por completo. "Eu estou jornalista, e atuo, mas eu sou mesmo é um MC", avisa. Nesta entrevista, Thaíde fala de preconceito, da carreira artística, das boas lembranças dos tempos de São Bento, do Black na Cena Music Festival (evento de música negra que será realizado em São Paulo em julho), e de como o movimento hip hop mudou sua própria vida e de milhares de pessoas

O rapper chega ao Beco da Vila Madalena, no famoso bairro paulistano. Local de grandes graffitis e palco da entrevista para RAÇA BRASIL
Como foi a infância do menino Altair?
Nasci na Cidade Ademar, na Vila Constância, em São Paulo. E é o seguinte: a gente tinha uma vida muito difícil, mas isso é uma coisa natural para quem vive na favela, infelizmente, principalmente naquela época, que não tinha tanta oportunidade. As pessoas tinham que fazer suas oportunidades. Hoje, você tem trabalhos e profissões alternativas, tem como buscar, é bem diferente daquela época. Eu ia nas casas das pessoas para conseguir o que a gente chamava de "auxílio", por isso que sempre digo que a zona sul de São Paulo é uma região que eu conheço muito bem. Eu passei a infância procurando esse "auxílio".
Como assim, auxílio?
Bom, o "auxílio", era esmola mesmo. A minha mãe, que já morreu, sempre fez isso. Ela veio de um lugar chamado Serra Negra e, quando chegou em São Paulo, teve que se virar e a maneira dela para sobreviver foi essa, sair na rua pedindo esmola. Ela era analfabeta, mas boa em matemática.
O que o break significou pra você?
Eu dançava soul e para o break foi rápido. Tinha o suingue, a ginga, o gosto pela cultura negra. Quando vi o break, me liguei que era a evolução da dança do gueto.
"EU NÃO SOU JORNALISTA, ATUO EM ALGUMAS COISAS, MAS NÃO SOU ATOR. EU SOU MC DE RUA E SE DEIXAR DE SER ISSO, REPITO, NÃO EXISTIREI MAIS"
E quando você percebeu que o hip hop poderia ser o seu estilo de vida?
Naquela época não tinha o hip hop no Brasil. Os Djs eram de baile e estar numa época que não tinha nada disso foi muito dificil. Não se tinha uma perspectiva. O índice de repetência ou ausência nas escolas públicas era asustador e o hip hop até conseguiu diminuir isso. Em 1985 foi que percebi que não precisava mais levantar às quatro da manhã e andar de três a quatro quilometros para chegar no trampo. Poderia começar a viver do hip hop.
Você tem uma carreira consolidada na TV. Trabalhou na MTV, Globo, TV Cultura e agora, na Band. Qual a sua opinião sobre a representatividade do negro na televisão brasileira atualmente?
Ah, é muito bom quando vemos um negro na TV, é bem diferente do que a gente estava acostumado a ver. A necessidade de aparecer bem é tão grande que falta o espaço para a gente aparecer do jeito que tem de ser, então, acho que consigo fazer muito mais que isso. Só aparecer já não é o suficiente, devíamos ter o nosso espaço, o nosso programa de TV, o nosso programa de rádio e não fazer como se fosse um combate. O nosso direito é um direito de cidadania. Só que tem de trabalhar para isso e se preparar mais. E, nessa, eu me incluo.
No programa A Liga, da Band, você já subiu em prédios e dormiu na prisão. Quais foram os momentos mais difíceis?
O momento mais difícil eu achei que fosse o da exumação. Depois, o da cracolândia. O programa na cadeia não foi difícil, difícil foi sair de lá. O câmera queria que eu voltasse para o presídio para fazer mais uma cena de despedida. Eu me recusei porque, quando saí da cela, vi um monte de rostos olhando para mim tipo, "eu quero sair, me leva junto".

E o programa que mostrava como sobreviver com um salário-mínimo?
Foi o mais difícil até agora! Tive que voltar para aquele passado que estava dizendo, da vida difícil, tendo de se virar da maneira que pode. Parecia que eu estava pedindo esmola e a ideia do programa era que não me reconhecessem. Teve um momento que eu pedi uma ajuda para uma pessoa e ela me deu esmola. Aquilo me emocionou!
Relembrando a sua infância, acha que a sociedade mudou o olhar nesse quesito?
A sociedade mudou em vários aspectos, mas acredito que ela ainda não tenha mudado dentro de si. A sociedade mudou o aspecto material, a questão financeira, a estética, mas por dentro, ainda tem que mudar bastante!
Outro tema de A Liga foi sobre a legalização da maconha, apoiada até pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O assunto é mesmo polêmico?
Tinha que pensar bem nessa situação, com bastante cuidado, pensar nos detalhes. Eu sou favoravel sim à legalização! Iria mudar muita coisa, enfraqueceria muita que coisa que precisa ser enfraquecida e, intelectualmente falando, as pessoas iriam ter consciência de suas responsabilidades.
Corpo fechado
( Thaíde & DJ Hum)MA
Me atire uma pedra
Que eu te atiro uma granada
Se tocar em minha face sua vida está selada
Portanto meu amigo, pense bem no que fará
Porque eu não sei, se outra chance você terá ...
Você não sabe de onde eu vim
E não sabe pra onde eu vou
Mais pra sua informação vou te falar quem eu sou
Meu nome é Thaíde
E não tenho R.G.
Não tenho C.I.C.
Perdi a profissional
Nasci numa favela
De parto natural
Numa sexta feira
Santa que chovia
Pra valer
Os demônios me protegem e os deuses também
Ogum, Iemanjá e outros santos ao além
Eu já te disse o meu nome
Meu nome é Thaíde
Meu corpo é fechado e não aceita revide, Thaíde ...
Na 43 eu escrevi o meu nome numa cela
Queimei um camburão
Que desceu na favela
E m briga de rua já quebraram meu nariz
Não há nada nesta vida que eu já não fiz
Vivo nas ruas com minha liberdade
Fugi da escola com 10 anos de idade
As ruas da cidade foram minha educação
A minha lei sempre foi a lei do cão
Não me arrependo de nada que eu fiz
Saber que eu vou pro céu não me deixa feliz
Essa prece que tu rezas eu já muito rezei
E pro deus que tu confessas eu já muito me expliquei
(refrão)
Thaíde...
Tenho o coração mole mas também sou vingativo
Portanto pense bem se quer aprontar comigo
Se achas que esse neguinho sua bronca logo esquece
Então não perca tempo pergunte a quem conhece
Eu só gosto de quem gosta de mim
Mas se for os meus amigos eu luto até o fim
Se mexer com a minha mãe
Meu dj ou minha mina você pode estar ciente sua sorte
está perdida
Pode demorar mas eu sempre pago minhas contas
Também não sou louco pra dar soco, em faca de ponta
Sempre cobro as minha contas com juros e correção
16 toneladas eu seguro numa mão Thaíde ....
Não nasci loirinho com o olho verdinho
S ou caboclinho comum nada bonitinho
Feio e esperto com cara de mau
Mas graças a Deus totalmente normal
(refrão)
Thaíde ...
Mas meu nome é Thaíde ...
"ISSO É IDIOTICE, PORQUE NINGUÉM VAI TIRAR O RESPEITO QUE EU CONQUISTEI, FOI UM MÉRITO QUE NINGUÉM VAI TIRAR DO DJ HUM, DOS RACIONAIS OU DE QUEM TEM MAIS DE 15 ANOS DE ESTRADA. TUDO O QUE A RAPAZIADA ENCONTROU QUANDO COMEÇOU A FAZER LETRAS, PRODUZIR MÚSICAS, FAZER SHOWS, FOI VENDO A VELHA ESCOLA"
Apesar da fama e do reconhecimento de hoje, você ainda sofre preconceito?
Isso é como se fosse uma doença crônica. É como eu já te disse: o ser humano não melhora dentro de si. Quando você olha para uma pessoa diferente porque ela tem uma condição financeira melhor, isso mostra que você é pior que aquela pessoa. Eu sempre sofri e sei que vou continuar sofrendo preconceito. A gente sempre atacou essas pessoas e não adiantou nada. A questão é usar a inteligencia e dizer que não precisa fazer nada disso. Precisa ter é força de vontade e inteligência, porque talento e força de vontade são coisas que Deus nos deu
Qual a sua opinião sobre a nova geração do rap?
Criolo Doido lançou um CD em que ele canta Bossa Nova e explora a música de maneira muito respeitosa. Isso eu dou valor! Uma pessoa que, independentemente do estilo que faz, tem a música com respeito. Criolo é uma das melhores coisa que se tem hoje em dia. Tem o Projota, um garoto que tem o dom da rima que também é muito bom, a Flora Matos...
Existe divisão entre a velha e nova escola do rap?
Não existe, mas estão começando fazer existir e algumas pessoas estão abraçando essa ideia. Isso é idiotice, porque ninguém vai tirar o respeito que eu conquistei, foi um mérito que ninguem vai tirar, do DJ Hum, do Racionais ou de quem tem mais de 15 anos de estrada. Tudo o que a rapaziada encontrou quando começou a fazer letras, produzir músicas, fazer shows, foi vendo a "velha escola". Existe um relacionamento de grande respeito, agora, não sei quem deu a ideia e, pior ainda, não sei quem gostou da ideia de se começar uma rixa. "Escola é escola".
"PASSEI A MINHA INFÂNCIA PROCURANDO AUXÍLIO (ESMOLA). A MINHA MÃE, QUE JÁ MORREU, SEMPRE FEZ ISSO"
" SÓ APARECER JÁ NÃO É O SUFICIENTE, DEVÍAMOS TER O NOSSO ESPAÇO, O NOSSO PROGRAMA DE TV, O NOSSO PROGRAMA DE RÁDIO E NÃO FAZER COMO SE FOSSE UM COMBATE. O NOSSO DIREITO É UM DIREITO DE CIDADANIA. SÓ QUE TEM DE TRABALHAR PARA ISSO E SE PREPARAR MAIS. E, NESSA, EU ME INCLUO"
Thaíde com o repórter Alexandre de Maio
Qual a melhor lembrança que você traz dos anos 80, aquela famosa época da São Bento?
A união, independentemente da gangue ou de que parte da cidade você era. Se uma tivesse um conflito, todos se uniam para poder resolver. Isso acontecia na São Bento! A gente não conseguia entender como que duas gangues se enfrentavam na dança e quando estavam sozinhas ficavam lado a lado. Isso não se tem mais, infelizmente.
O que achou do brasileiro Neguin levar o troféu de melhor B.boy do mundo?
Eu me lembro que o nosso sonho era ir para nova Nova Iorque. Quando a gente vê um B.boy brasileiro assim, ficamos sem palavras, porque é muito dificil encontrar um B.boy hoje em dia, é uma coisa que lamento bastante. Mas eu tenho a certeza que o Neguin merece todos os nossos parabéns. E que ele seja sempre o mesmo neguinho.
O rap ainda é malvisto pela sociedade, como era antigamente?
As pessoas só divulgam o lado negativo do rap brasileiro, não divulgam o lado bom. Muita molecada que só ficava na rua, a gente conseguiu levar para a escola. Conseguimos fazer com que muita gente que não queria saber de nada arranjasse um emprego e tivesse mais responsabilidade na sua vida. Nós ajudamos muita gente a se achar, elevando a autoestima dessas pessoas.
O que você costuma fazer nas horas vagas?
Nas horas vagas eu vagueio e ouço pouco hip hop. É que eu gosto mesmo desta batida, ouço uma ou outra, mas prefiro ouvir músicas antigas. Gosto da época de ouro do samba, tenho um MP3 com várias músicas antigas.
Musicalmente, quais são seus planos?
Estou preparando um CD mix com músicas mixadas com várias participações, como Ana P, Pentágono, Pump Killa, Xandão, entre outros.
E disco novo?
Já tentei arranjar várias desculpas, mas nenhuma delas é boa o suficiente, então, o melhor é dizer a verdade: o meu ritmo é bem diferente de antes, é mais acelerado, embora falte tempo. As inspirações não são as mesmas, dizer que escrevo como eu escrevia antes seria uma grande mentira. Não tenho a mesma facilidade.
Mas eu adoro o que faço, não tenho explicação. Se eu deixar de fazer isso, não irei mais existir. Eu não sou jornalista, atuo em algumas coisas, mas não sou ator. Eu sou MC de rua e se deixar de ser isso, repito, não existirei mais.
BLACK NA CENA E AUTOESTIMA
Thaíde com outras feras da música negra brasileira: Dj Grand Master Ney, Simoninha e Max de Castro, o idealizador do Black na Cena Music Festival, Ricardo de Paula ( da Entre Produções), e o rapper Xis
Thaíde é uma das atrações de um megafestival que acontece em São Paulo entre os dias 22 e 24 de julho. Mestre de cerimônias do Black na Cena Music Festival (e uma das principais atrações) o rapper fala da importância de eventos desse porte no cenário hip hop: "O Black na Cena vai trazer o Redman, o Method Man, os melhores rappers norte-americanos, o Jorge Clinton e o Public Enemy, que tocaram no Brasil há quase 15 anos. Vamos poder ver de novo! As pessoas têm medo de abrir portas e janelas e esse projeto vai colocar gente já consagrada na música black mundial com outras consagradas da música black brasileira.
O projeto chamou a minha atenção exatamente por isso. Vamos subir no palco e teremos aquela sensação de que Jorge Clinton vai ouvir e tocar no mesmo som que os artistas nacionais, colocando todos no mesmo patamar." Para Ricardo de Paula, diretor da Entre Produções (organizadora do Black na Cena Music Festival) , a escolha de Thaíde como umas das principais atrações do evento se justifica pela história do artista. "O Thaíde é um dos precursores do rap do Brasil, que saiu dos encontros de B-Boys na estação São Bento. Ele é um artista versátil, circula livremente na periferia e fora dela, tem a pluralidade que o nosso festival representa. Ele personifica nossa proposta."

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